O luto, na sua forma inicial “manifesta-se freqüentemente por um estado de choque, podendo ser expresso como um sentimento de torpor e de completo atordoamento”. Eu, de uma forma ou de outra, diariamente, entro em processos de luto. Em muitos deles nem me dou conta, mas se instalam; outros, porém, são visíveis, tangíveis, palpáveis! Outros: fantasmáticos! É a angústia necessária. Mas, o que me é real, é a angustiante sensação de perda, que faz esvair todos os fundamentos da experiência, quando estamos diante do desconhecido, e assim, sou desafiado a enfrentá-lo, como se o conhecesse: é preciso prevê-lo, é preciso antecipá-lo. Na fala e no silêncio; intervir sem direcionar; pôr a isca na água, sem barrenta-la. Assim, enluta! Sim enluta, mas enluta perpassado por um hífen: en-luta! Pois, “en” algum lugar no canto da sala luta na simetria do desconhecido! Corro, sem locomover! Fujo, sem sair! Volto sem ir! Sento sem levantar! Ouço sem escutar! Inicialmente apenas ouço! Pois o luto me transporta. Assim, como angustiada por não poder grafar o poema que agora leio, angustiada sou, na antecipação do luto, pela porta que ainda não se abriu! Os cordéis da morte me cercaram; o epitáfio da angustia foi inscrito no visível do invisível.
Na minha experiência no estágio clínico, o luto se antecipa – no sentimento de torpor e completo atordoamento -, pela fantasia imaginária de como será, quem, como é, cor, altura, jeito, voz, feio, bonito, cheiro. Imaginável luta. Os meus sentidos me põem em luto. Ah! Sentidos! Não precisavam enlutar-me, pois o sentido é o sentido do ser na porta que se abre. É bem verdade, como diz Sartre, que “a ausência também revela o ser, já que não estar ai é ainda ser”; todavia, “o ser é simplesmente a condição de todo desvelar: é ser-para-desvelar, e não ser desvelado”. Na fantasmática da ansiedade da desvelação do ser sou absorvida pelo luto: “sou toda ouvido”. É a abdução necrológica. O luto está instalado, inevitavelmente. Estou a perder o que ainda não aconteceu; mas, por todo ainda não perdi: a porta ainda se abrirá.
Acertar ou errar! Assim, sou posta em luto antecipado! Estou falando, pois, do estágio supervisionado, neste caso, na clínica psicanalítica. As elaborações teóricas são postas em ebulição, mas teimam em não se organizar! É preciso dar certo! Não posso fazer nada errado! Tudo tem que ser perfeito! Construo as minhas elaborações de luto, sem ser percebidas como tais me advêm, como um torpor, sufocando-me o peito, quando a porta se abre, e um ser estranho, em forma humana, todavia, afônica, pois a fala ainda não se fez ouvir, e de forma indelével o luto me absorve, e assim de forma incomensurável, também, o meu poder de síntese de ser andante, não mais falante nem pensante. Vejo-me exposta sobre a lápide da minha própria inscrição.
Mas, num instante sou libertada da náusea fúnebre, pela possibilidade da escuta, e assim, sou acometido por um reflexo de lucidez: ninguém fará isto: acertar perfeitamente. Mas, por processo de luto, pensamos que sim, pois somos absorvidos pelos fragmentos do discurso que é necessário acertar!
Ah! Quem disse que é preciso! É preciso, apenas escutar... Mensurar erros e acertos, não me pertence. Que a porta se feche!
-Hope Subway-
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