Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
Que o nosso avô português?
Carlos Drummond de Andrade é sem dúvida nenhuma um ícone na Literatura Brasileira. Teve sua vida misturada com sua carreira... Com uma ampla obra que transita entre a poesia e o conto, Drummond escreveu incansavelmente até o fim de sua vida. Uma mente tão criativa e produtiva que, mesmo depois de sua morte, ainda foram lançados diversos materiais inéditos de sua autoria. Também... quem em 1918 é expulso do colégio por “insubordinação mental” deve ter de cada um de nós amplo respeito!
Sua personalidade demonstra diversas facetas impressionantes... boticário, dentista, romancista, contista, poeta, repórter, editor, um dos primeiros a declamar suas poesias e lança-las em LP’s... Com certeza, um homem além de seu tempo! Assim, não é de se estranhar que muito após sua morte e em meio ao grande número de material inédito do autor encontre-se “Amor ao Natural”, seu livro de poemas eróticos. O próprio Drummond pede para que o livro não seja publicado antes de sua morte, mas o tema não aparece pela primeira vez em sua poesia neste livro... pelo contrário, já vinha aparecendo... cresceu com ele.
Da mesma forma que lá pelos idos de 1918 o fato de ver-se um tornozelo desnudo era o máximo de sensualidade que um homem provaria... este também era o máximo da obra do autor. Com o passar dos anos e o caminhar do sensualismo em nossa sociedade, Drummond, um homem sempre a frente de sua época, não podia ficar para trás, escrevendo poemas que falam da sensualidade, do erotismo de forma densa, mas com uma sensibilidade, uma riqueza de detalhes e uma classe própria do grande poeta!
Alguns não conseguem compreender a conversão do comedido mineiro em militante póstumo da sacanagem. Isso na realidade não aconteceu... “O Amor Natural" não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisados, não expôs contornos radicais do poeta, mas sim deixou aparecer contornos que já vinham sendo insinuados desde o Modernismo, usado em tons de poesia-piada (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). O livro só mostra que, entre todas as facetas demonstradas pelo autor, a faceta “homem” também existia... com tudo que dela advêm... e vida, morte, dores, tragédias e felicidades só ganham o tempero do sexo que aparece como algo atraente e belo, mesmo repleto de falos, vulvas e pêlos... sem vulgarização do tema, pelo contrário, rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano.
Eu, Hope, modestamente, me rendo aos encantos de poetas mais bem preparados e de pensadores mais vividos e experimentados e entendo o sexo da mesma forma como Rubem Fonseca, em seu livro BUFO E SPALLANZANI: excerto da (pág.10).
“Disse a ela que eu encarava o sexo, na vida e na literatura, da mesma maneira que Moravia, isto é algo que não deve ser pervertido pela metáfora, mesmo porque nada há que se lhe assemelhe ou lhe seja análogo.”
Aliás... nada menos esperaríamos deste mestre... digo... destes Mestres!
Aqui apresento um de meus poemas prediletos... e que foi escrito muito antes da produção do livro “Amor ao Natural”... Com ele aprendi a intransitividade do verbo AMAR!
O meu poema predileto :
Amor - pois que é palavra essencial
Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Aqui trago uma seleção dos MEUS poemas prediletos do livro...
“Amor ao Natural” – Carlos Drummond de Andrade
Sinopse:
Coletânea de poemas eróticos de Carlos Drummond de Andrade. Uma visão inquietante que revela uma face nova, mais despojada, porém extremamente fascinante do poeta. São textos repletos de vida e sensualidade, onde o autor se introjeta ao mesmo tempo que se expõe, desbravando o corpo enquanto busca, na fluidez e sensualidade da linguagem, a própria nudez da alma.
Formato: PDF
Páginas: 39
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Tamanho: 250 Kb
O link para baixar o livro está na figura da capa do livro, logo acima!
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Sugar e ser sugado pelo amor
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.
A língua lambe
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas
e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.
Mimosa boca errante
Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delícias
que fruto e boca se permitem, dádiva.
Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereces
a seu volume e jato apaixonados
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?
Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.
Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.
Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo não te escuto não te aperto
mas tua boca está presente, adorando.
Adorando.
Nunca pensei ter entre as coxas um deus.
Sob o Chuveiro Amar
Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo — é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?
que me negas favores dispensados
em rubros tempos, quando nossa vida
eram vagina e fálus entrançados,
agora que estás velha e teus pecados
no rosto se revelam, de saída,
agora te recolhes aos selados
desertos da virtude carcomida.
E eu queria tão pouco desses peitos,
da garupa e da bunda que sorria
em alva aparição no canto escuro
Queria teus encantos já desfeitos
re-sentir ao império do mais puro
tesão, e da mais breve fantasia.
No corpo feminino, esse retiro
No corpo feminino, esse retiro
- a doce bunda - é ainda o que prefiro.
pois tanto mais a apalpo quanto a miro.
Que tanto mais a quero, se me firo
em unhas protestantes, e respiro
a brisa dos planetas, no seu giro
lento, violento... Então, se ponho e tiro
a mão em concha - a mão, sábio papiro,
iluminando o gozo, qual lampiro,
ou se, dessedentado, já me estiro,
me penso, me restauro, me confiro,
o sentimento da morte eis que o adquiro:
de rola, a bunda torna-se vampiro.
Uma reflexão “Hopiana”…
Ainda inquieta a pergunta: qual o limite entre o obsceno e o erótico? O pornô e a arte?
Ora, diria, como sempre digo em meus Contos... Já dizia Einstein que tudo é relativo... e nesse caso, aos bons costumes do tempo e do espaço.
A despeito dessa era de permissividade e de vivermos no país da sensualidade – desde Gregório até Albergaria um templo da putaria –, o texto, a arte erótica são avaliados como uma expressão menor, marginal. Assim, reservo-me o direito supremo de citar Affonso Romano de Sant’Anna...
‘Está na hora de o erótico (ou pornográfico?) fazer parte natural do obra dos poetas. Não há de que se envergonhar. Afinal, há alguns milhares de anos que amamos desvairadamente de todas as formas registradas ou não no Kama Sutra e nos murais de Pompéia. Como diz o poeta, o amor é palavra essencial.
E embora o que se passa na cama seja segredo de quem ama, nunca houve segredo mais repartido que esse em todos os tempos e culturas. E o bom poeta é aquele que ao revelar o seu segredo descobre que ele pertence a todos’
(Affonso Romano de Sant’Anna – trecho do texto ‘O Erotismo nos deixa Gauche?’ , prefácio do livro ‘O Amor Natural’, de Carlos Drummond de Andrade; Editora Record, Rio de Janeiro, 2007)
Pois que cante o poeta celebrando a bunda, palavra quimbunda, tão afro, tão redonda, tão baiana…
A Bunda, que engraçada
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
Por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
Avolumam-se, descem. Ondas batendo
Numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
Na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
Redunda.
Um Grande beijo...
Espero que tenham gostado desta Indicação Literária pouco comum...
Um comentário:
Eita Carlos Drummond, né? Esse foi gênio que ainda é... Foi feliz postando algo dele, viu? Mas aquela imagem (6ª de baixo pra cima) deixou-me babado, danadinha...
beijos
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